Minas por Região

Pronunciamento

13h54min - 16 de Julho de 2013 Atualizado em 11h27m

Pronunciamento do governador Antonio Anastasia durante a entrega da Medalha do Dia de Minas Gerais

16 de julho de 2013 - Mariana - Minas Gerais

Mineiros,

O momento atual por que passa o Brasil nos impõe séria reflexão sobre diversos aspectos da vida nacional. Nós, em Minas, não podemos deixar de fazer este registro e oferecer nossa contribuição ao debate deste singular instante de nossa história.

Neste contexto, em ambiente da comemoração do dia de nosso Estado, dedicado a esta nossa primeira Vila e Capital, e dia de Nossa Senhora do Carmo, decidi aludir, em meu pronunciamento, àquele que é dos nossos maiores patrimônios: a cultura mineira. Este o motivo da escolha e convite para orador oficial do ilustre acadêmico Olavo Romano, Presidente da Academia Mineira de Letras, instituição mais que centenária e depositária das melhores tradições da cultura de nossa gente. É pelo conhecimento e em nosso modo de ser que vamos contribuir, e muito, para superar os desafios nacionais, como já o foi no passado.

Convenço-me, senhor presidente de nossa Academia de Letras, de que a história de Minas, tão curta e tão intensa, foi escrita enquanto se fazia: literatura e ação política sempre estiveram juntas em nosso vir e devir.

Se olharmos em direção ao Itacolomy, podemos imaginar o Sítio da Vargem, e, nele, seu senhor atento, o poeta Cláudio Manuel da Costa, o mais vivido dos inconfidentes. Seus versos líricos expõem amor à pátria, ao cantar a paisagem e as águas de Minas.

Não essencialmente político, como Gonzaga, em suas Cartas Chilenas – admiravelmente inspiradas nas cartas persas, de Montesquieu. Nem é insinuador de rebeliões, como Alvarenga Peixoto, que lembra essas escalvadas serras.

Outros podem não enxergar, em seus poemas, o sinal dos conjurados, mas ele, que os escrevera, sabia bem o que significavam, ao lembrar os duros penedos em que nascera.

Muitos tentam desmerecer a participação de Cláudio Manuel no movimento, mas as evidências são numerosas de que foi dos mais ativos membros do grupo. Sua morte, na prisão, confirma essa presença.

A nossa literatura nasce da consciência de pátria, na construção de uma identidade autônoma, alimentada do Iluminismo que a península ibérica rejeitava.

Um dos exemplos dessa assunção da nacionalidade é o de Alvarenga Peixoto, ao cantar os veios de ouro e prata de nossas montanhas, dizendo: “aquelas brutas e escalvadas serras, que fazem as pazes, dão calor às guerras”.

Ao assumir a nacionalidade, foi natural que as letras se comprometessem com a independência, e tratassem das coisas políticas, não obstante a censura e a vigilância das autoridades portuguesas daquela época.

O mais forte libelo da literatura comprometida com a nossa aspiração de liberdade é o de Tomás Antonio Gonzaga, com As Cartas Chilenas, que devem ter circulado em poucas e restritas cópias na Capitania. Embora não fossem devidamente assinadas, os grandes especialistas, como o invulgar crítico português Manuel Rodrigues Lapa, concluíram, pela análise filológica, histórica e estilística do texto, que provinham do mesmo jurista, autor de um Tratado do Direito Natural, e das liras apaixonadas dedicadas a Maria Doroteia de Seixas Brandão - a adolescente Marília de Dirceu.

Mineiros e mineiras,

A Devassa e a Repressão aos inconfidentes abalaram, como registra a História, todas as estruturas da Capitania. Muitos dos melhores mineiros daquele tempo abandonaram seus negócios; liquidaram, de qualquer forma, as propriedades e buscaram as ainda brutas terras do Oeste, a fim de escapar da perseguição dos agentes da Coroa.

As atividades econômicas se reduziram. A vinda da Família Real, em 1808, ao fugir das tropas napoleônicas, e a Independência - pela qual tanto haviam sonhado e lutado os mineiros - significaram naquele momento a decadência, ainda que temporária, da Capitania. Dispersos no degredo e mortos, os poetas da Inconfidência desapareceram.

Bárbara Heliodora, a única poetisa daquele tempo, não escreveu outros poemas além daqueles que alguns lhe creditam, durante o convívio com Ignácio Alvarenga. O talento, tão comprometido com o patriotismo republicano dos mineiros, era forçado a se esconder nos distantes oestes do espírito, à espera de tempos mais firmes.

O Rio de Janeiro, não só por sediar o governo colonial, mas por ser a praça de exportação e importação do país, veio a atrair os poucos intelectuais brasileiros de então. Foi um tempo difícil: os mineiros já não iam mais estudar na Europa, até 1812 sob o domínio de Napoleão. E não tínhamos cursos superiores de disciplinas humanísticas no Brasil. Só em 1827 surgiriam os cursos de Direito em nosso país.

Minas, todavia, começa a reerguer-se, com dificuldades, depois da abdicação de Pedro I. Um pouco antes, em 1825, nasce, em Ouro Preto, o grande poeta e romancista Bernardo Guimarães.

Com ele irá surgir uma literatura forte de cunho nativista e social. Tanto O Seminarista, quanto A Escrava Isaura mostram a solidariedade e a compaixão do autor para com os sofredores. Solidariedade e compaixão que serão legadas a seu filho Alphonsus de Guimarães, poeta apaixonadamente católico. O altruísmo de ambos iria acentuar-se no terceiro sucessor, João Alphonsus, uma das figuras mais destacadas do modernismo mineiro.

É na riquíssima década de vinte do século passado que, logo depois da Semana de Arte Moderna de São Paulo, de 1922, Minas recupera bem o seu ânimo intelectual, com A Revista, publicada em Belo Horizonte em 1925 e 1926, e se forma o grupo de Cataguazes, em torno da Revista Verde, de 1927.

Surgem então, e logo em seguida, Drummond e Emílio Moura, Guilhermino César, Henriqueta Lisboa, Rosário Fusco, Austen Amaro, até chegar à geração de 45, com Bueno de Rivera, Afonso Ávila, Wilson Figueiredo, Ildeu Brandão e tantos outros.

Entre os nomes tutelares dos anos vinte se destaca o de João Alphonsus, com a ficção dura, sem titubeios, de denúncia social e de solidariedade. Com A Pesca da Baleia, mas, sobretudo em Eis a Noite, João Alphonsus inicia uma tradição dos mineiros nas histórias curtas, que chegará à nossa contemporaneidade com os nomes fortes de Murilo Rubião, Roberto Drummond, Wander Pirolli, Oswaldo França Júnior – este também romancista de fôlego - e, entre os que ainda se encontram felizmente entre nós, o romancista Ruy Mourão, diretor do nosso Museu da Inconfidência, e Fábio Lucas, um dos mais respeitáveis críticos literários do Brasil.

João Alphonsus, no romance Totonho Pacheco, dá uma visão antropológica da urbanização mineira, com a mudança de muitas famílias do interior para a capital, e o forte crescimento de Belo Horizonte nos anos 30. A mesma vida urbana da cidade encontraria seu grande romancista em Cyro dos Anjos, nas duas obras primas que são Abdias e O Amanuense Belmírio.

Há quem identifique em Cyro a forte influência de Machado. Creio, no entanto, como leitor comum, e não especialista, é que ambos, de origem social tão diferente, nasceram com o mesmo senso trágico do humor. E de amores frustrados, ou não entendidos, como é o sumo de Dom Casmurro e de Abdias.

Em seguida chegamos, meus amigos, a essa fulgurante, fantástica e mitológica revelação de Minas, na obra de Guimarães Rosa. O mineiro da boca do sertão, de Cordisburgo, deslumbrará o mundo com a medievalização dos nossos tratos de convivência, no transmundo mágico, mas temperado de ceticismo, da gente de nossas montanhas, rios e vales.

Guimarães Rosa fará a grande descoberta de um de nossos mistérios: somos a Civilização do Encantamento. Esse encantamento, que cobre o enigma do jovem vaqueiro Diadorim, se revelará na deslumbrante nudez feminina, no combate final de O Grande Sertão.

O médico e diplomata, que, em sua fantástica reconstrução da realidade surge, na literatura do nosso tempo, com o esplendor de um acontecimento, ao romper os limites filológicos do português, rebelando-se contra seus cânones etimológicos e morfológicos, para ser fiel ao sentimento do mundo dos mineiros do sertão.

Não é por outra razão que Grande Sertão: Veredas se encontra entre as maiores obras da literatura universal, ao lado, entre outros, de Guerra e Paz, de Tolstoi, de Em Busca do Tempo Perdido, de Proust. Ou de Ulysses, de Joyce.

Eminente acadêmico Olavo Romano,

Sou-lhe grato por aceitar o nosso convite para ser o orador oficial deste Dia de Minas, na primeira vila e sede da Capitania das Minas. Ao encontrar o grande observador da vida montanhesa, tecida na construção cotidiana de pequenas e densas travessias épicas, no convívio permanente com o Absoluto, ao esgueirar-se entre a fé em Deus e as seduções mundanas, quis homenagear todos os nossos homens e mulheres que fizeram e continuam a fazer a história espiritual de nosso povo, em uma terra onde a cultura é tão rica e reconhecida como a querida Mariana, como as nossas Minas Gerais.

Muito obrigado, Senhor Presidente, por trazer a esta solenidade, com o seu reconhecido talento narrativo, a inteligência criadora de nosso povo.

Foi esta a singela homenagem que quis prestar aos condecorados de hoje, personalidades reconhecidas em todos os setores de nossa sociedade, e ao povo de Mariana, em momentos tão turbulentos de nossa vida nacional.

Com fé no espírito de Minas, sabemos que somos capazes de superar todas as dificuldades e mesmo as incompreensões. Nada pode diminuir ou abalar o conhecimento, a cultura e a história de nossa gente alterosa!

Ao generoso e acolhedor povo desta Vila do Ribeirão do Carmo e aos nossos convidados, agradeço e muito a atenção com que me ouviram.

Muito obrigado!

SEGOV - Secretaria de Estado de Governo de Minas Gerais

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