Minas por Região
Governador

14h37min - 16 de Julho de 2013 Atualizado em 14h49min

ÁUDIO: Pronunciamento do presidente da Academia Mineira de Letras no Dia de Minas

Tamanho: 7,6 MB

Foi em 16 de julho, dia consagrado à Virgem do Carmo, do ano da graça de 1696, que o bandeirante Salvador Fernandes Furtado de Mendonça e sua gente destemida fundaram o arraial a que deram o nome de Nossa Senhora.

A promessa do lugar não era o diamante, chispa de luz faiscando no centro do pretume. Nem a esperança do bamburro, sorte grande na labuta do garimpo. A promessa do lugar para onde iam era o amarelo do ouro, sol oculto nas minas que deram nome à região. Depois de longa jornada, bruacas e cangalhas chiando ao galeio da tropa, os animais em marcha lenta entre lajedos e pirambeiras, venceram as solidões bravias de Itaverava. Então, encantados, avistaram, do alto da Serra do Bento Leite, “o mais belo panorama de suas jornadas”, como relata Salomão de Vasconcelos. “Mais alguns passos à frente”, diz ele, “acamparam à margem da torrente, onde o  ouro  a mancheias logo a todos deslumbrou e decidiu da posse”. O Coronel Furtado de Mendonça, comandante da numerosa bandeira, fundou o arraial que viria a ser a primeira vila de Minas, a “Leal Vila do Ribeirão do Carmo”. Na tarde daquele mesmo dia, no Mata-Cavalos, o Padre Francisco Gonçalves Lopes, erguia primeiro altar da terra mineira, fixando, no dizer do Cônego Trindade, “a era cristã de Minas Gerais”.

Desmembrada do Rio de Janeiro em consequência da Guerra dos Emboabas, a Capitania das Minas do Ouro, constituída por Minas e São Paulo, passou a ser governada por Antônio de Albuquerque Coelho de Carvalho, que veio residir em Ribeirão do Carmo. Em 1711, decidiu instituir as primeiras vilas do território minerador. E a primeira delas foi a Vila do Carmo, que se tornou assim a municipalidade primaz de Minas, fundadora da nossa cidadania, antes mesmo da emancipação mineira pela constituição da Capitania, ocorrida somente em 1720.

Em 1745, Dom João V elevou Vila do Carmo à nobilíssima condição de cidade, para tornar-se a sede do primeiro bispado de Minas Gerais e acolher Dom Frei Manuel da Cruz em sua cátedra. Deu-lhe o rei português o nome da esposa, a rainha Mariana d’Áustria, e mais justa denominação não existiria para a cidade de Nossa Senhora do Carmo, marcada por profunda devoção mariana.

Nomeado Bispo de Minas e S. Paulo em abril de 1745, com ordem de assumir imediatamente, só a 3 de agosto de 1747 Dom Frei Manoel da Cruz partiu de São Luis. Varou, a pé, o sertão do Piauí, enfrentou chuvas e doenças. Chegou à Bahia com malária, embarcou no São Francisco, passou por Matias Barbosa gravemente enfermo, tomou o Rio das Velhas em Guaicuí, sendo recebido em Sabará por comitiva que o conduziu a Mariana. Aqui chegou em 15 de outubro de 1748, carregado em uma cadeira. Extenuado, não pode apreciar as homenagens que lhe prestavam. Recolhido ao palácio episcopal, só se apresentaria publicamente em 28 de novembro.

Para celebrar a chegada do bispo primaz, após tão penosa jornada, instalou-se aqui a célebre Academia do Áureo Trono, na qual poetas e oradores celebraram não só as virtudes do prelado, como as qualidades da urbs mater da mineiridade. Primeira cidade de Minas, Mariana se confunde desde sempre com nossa história, expressa nossa arte, simboliza nossa cultura.

Estudioso da história de nosso Estado e dotado de singular erudição, foi por certo ao se lembrar da primeira Academia de Minas que o caro governador Antonio Anastasia convidou o presidente da Academia Mineira de Letras para falar nesta hora cívica.

Deve-se aqui ouvir o sentimento de Minas, Minas além do som, Minas Gerais, como buscava Drummond, na escuta do eco da montanha. Nada seria mais grato ao presidente da Academia Mineira de Letras que estar na cidade de nosso patrono, o grande Alphonsus de Guimaraens, e render um preito de emoção ao espírito de Minas, fonte de inspiração permanente e luz que jamais se apaga.

Em nome da Casa de Alphonsus, venho lembrar a Academia de Dom Frei Manuel da Cruz rediviva na Academia de mestre Waldemar de Moura Santos. Saúdo, com fraterno abraço, o amigo e acadêmico marianense Roque José de Oliveira Camelo, líder da campanha que levou nossa Assembleia Legislativa a consagrar a lei sancionada pelo governador Francelino Pereira, nosso querido confrade da Academia Mineira, fazendo de 16 de julho o Dia de Minas, data maior da mineiridade.

Venho compartilhar os valores que Mariana erigiu como signo e símbolo da cultura mineira. Berço do poeta inconfidente Cláudio Manuel da Costa, cantor das musas do Ribeirão do Carmo, e de Manuel da Costa Ataíde, o pintor sublime das nossas igrejas monumentais, Mariana é a terra de Zizi Sapateiro, em cujas telas refulgem os clarões do Apocalipse, e de Artur Pereira, o mágico escultor de Cachoeira do Brumado que, com olhar de Michelangelo, revelava nas toras de madeira os animais que ali se ocultavam. O cônego Luís Vieira da Silva, tocado pelas luzes do século XVIII, aqui pregou a liberdade e a fraternidade, e Dom Antônio Ferreira Viçoso fez do serviço da fé um exemplo de santidade. Dom Silvério Gomes Pimenta daqui partiu para o púlpito do Concílio Vaticano I e a tribuna da Academia Brasileira de Letras. Dom Helvécio Gomes de Oliveira espalhou escolas pelo Estado e Dom Oscar de Oliveira semeou museus. A palavra de Dom Luciano Mendes de Almeida irradiou-se mundo afora. Dom Geraldo Lyrio Rocha sustenta a projeção nacional e internacional de Mariana, na lição singular da primeira cátedra episcopal de Minas.

O Museu da Música, guardião de partituras eruditas tricentenárias, completou recentemente quarenta anos de trabalho dedicado, competente e valioso. Onze bandas de música, algumas bicentenárias, animam ruas, praças, alegrando a alma do povo. O Conservatório Mestre Vicente e o Sesi,  fieis à clara vocação musical da primeira Capital de Minas, empenham-se na formação de orquestras. Elisa Freixo, a única brasileira que tem a chave da milenar catedral de Chartres, é titular do Arp Schnitger, jóia rara da Sé, único exemplar fora da Europa, e espalha sua refinada arte por vários cantos de Minas, além de orientar a recuperação de preciosos órgãos históricos, antes emudecidos.  Mariana mantém-se, pois, fiel ao expressivo legado musical iniciado no século 18, exemplificado na produção de Lobo de Mesquita, Castro Lobo e Manoel Dias de Oliveira.

Urbana antes de ser rural, Minas viu sua população crescer em inimagináveis proporções com a descoberta do ouro. Vila Rica chegou a ter mais habitantes do que Paris, e a Metrópole proibiu a emigração para o território das minerações. O encontro de aventureiros paulistas com nativos da região, portugueses e africanos resultou numa mestiçagem inédita da colônia e na produção de uma cultura única, com manifestações artísticas que perenizaram o talento de nossa gente e contribuíram para o surgimento de uma civilização mineira numa época em que, nos engenhos do nordeste, Casa Grande e Senzala eram territórios inconciliáveis.

Para isso muito contribuíram as irmandades religiosas, verdadeiras corporações que atuavam ativamente na vida religiosa, ofereciam ajuda material e espiritual aos seus associados, e foram decisivas na construção de igrejas, incrementando as artes, formando artistas e artesãos, de cuja habilidade nossas cidades coloniais dão testemunho.

A cidade, lugar de encontro e convivência, é território propício a inconfidências e sonhos de liberdade, ecoando as mudanças que incendiavam o Velho Mundo.

É oportuno refletir sobre o temperamento do mineiro, seu jeito de ser e de viver. Costuma-se falar de alguém cujo ancestral, enrolando um pito de palha, matuta, reflete, filosofa, acautela-se medindo bem água e fubá. Tal perfil psicológico decorreria do isolamento entre montanhas, da falta de horizontes. Ou da desconfiança, recurso para se defender de aventureiros, ladrões de ouro ou espiões do governo de então. Fala-se igualmente da esperteza, da dissimulação, exemplificada no santo do pau oco, da ladineza, referência a judeus espanhóis e à língua falada por eles, com muitas expressões do português arcaico ainda vivos em nosso interior.

Aos mineiros, habitantes da região das minas, se contraporiam os geralistas, morador dos gerais, região mais plana, do cerrado, sertão onde imperou Riobaldo Tatarana, o Urutu Branco, tendo Sete Lagoas como boca, sendo Montes Claros seu coração robusto. O falar típico de sua gente, conhecido como Catrumado, virou dicionário pelas mãos de Teo Azevedo, violeiro, cantador e guardião de Folia de Reis em Alto Belo, bandas de Bocaiuva.

Mineira e geralista, nossa gente assunta, sopesa, acha prumo e rumo, antes de se lançar ao eito de qualquer lavoura. Reflete com a montanha, vai a fundos abismos, depois abre caminho e flui com o rio, aprende na sabedoria popular, nascida da observação do mundo, do espiar e por sentido. Estado-síntese, a Minas insubmissa e generosa nunca negou sua presença, jamais se omitiu nos momentos graves da nacionalidade.

Mariana é mineradora, mas não só do ouro e do ferro.  Na bateia da cultura, surgem as pepitas mais valiosas. As humanidades que aqui se ensinam na universidade federal nos remetem à fundação do Seminário de 1748, primeiro centro de altos estudos implantado no nosso território no mesmo ano em que se publicou O Espírito das Leis, de Montesquieu. Não mais a princesa adormecida do poema de Alphonsus transformado em hino da cidade, Mariana é o próprio despertar de Minas para os novos tempos. Passado e futuro se aliam pelo primado da democracia, da justiça e do bem estar social.

Quem descobre Mariana conhece o que é Minas. Essa Minas cadinho de ouro, enigma clarificado pela poesia, essa Minas de prosa barroca na fala cabocla de Guimarães Rosa, essa Minas convergência do Brasil, sobretudo na hora dramática da carência de brasilidade, é a Minas de 16 de Julho, as Minas Gerais que reverenciamos na data magna da civilização montanhesa, coração dourado do país continente e da América do Sul.

Em Mariana, alta madrugada, alguém pode ouvir estúrdio tropel. E pensa baixinho, por trás das treliças: “É o Felipe dos Santos querendo desassombrar a gente”. Outro marianense insone talvez acompanhe o pobre Alphonsus, com seus responsos, em litanias de onírica poesia, vindas do céu na asa do luar.  E alguém mais recita Alceste, o poeta-inconfidente, transfigurado em pastor pelos cânones do arcadismo. Com Santa Rita Durão, o poeta de Cata-Preta, recita a épica aventura de Caramuru, a morte trágica de Moema, o casamento com Paraguaçu, batizada Catarina na corte lusitana.

Nos muitos recantos dessa Minas múltipla, nascida de Mariana, Emílio Moura e Dantas Mota, entre gostosas baforadas, poetam palha, fumo e fumaça; para esquecer a morte da porta-estandarte, Aníbal empreende fantasiosa viagem aos seios de Duília, Affonso Arinos profetiza Brasília ante o buriti perdido. E o poeta municipal, na maior pachorra, tira ouro do nariz.

Feliz pela oportunidade de participar desta festividade tão significativa coração de todos nós, honrado pela homenagem à nossa centenária Academia Mineira de Letras, lisonjeado por encontrar-me em tão ilustres companhias, termino com um comovido “muito obrigado”.

Viva Mariana, viva Minas Gerais!

SEGOV - Secretaria de Estado de Governo de Minas Gerais

Desenvolvido por marcosloureiro.com

Cidade Administrativa Presidente Tancredo Neves

Rodovia Prefeito Américo Gianetti, 4001
Edifício Gerais, 1º andar
Bairro Serra Verde - BH / MG
CEP: 31630-901
Tel.: +55 31 3915-0262

Telefones de Contato