14h19min - 23 de Abril de 2015 Atualizado em 18h12min
Resultado da iniciativa é um vídeo que documenta a recuperação e transformação das detentas por meio do teatro, dança, música e fotografia
O Presídio Feminino José Abranches Gonçalves, localizado em Ribeirão das Neves, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, foi o cenário para a produção de um audiovisual que retrata os anseios e os sentimentos das mulheres presas. O projeto, denominado Laboratório Multimídia Móvel, realizou-se no período de março a dezembro de 2014 com o objetivo de levar até o presídio tecnologia digital que pudesse transformar de alguma forma a realidade das detentas.
A presa Ana Carolina dos Reis, por exemplo, com uma câmera na mão, conseguiu registrar cenas importantes para a composição final do documentário, relata o publicitário Diogo Torino, responsável pelo projeto. Outras detentas, que igualmente nunca haviam tido contato com equipamentos de gravação, imagem e som, participaram da produção do vídeo e foram estimuladas a se expressar artisticamente por meio de ensaios teatrais, dança e composição de músicas e poesias.
O Laboratório Multimídia Móvel contou com o apoio do ator Marcos Eurélio Pereira, que já realizava na unidade prisional a oficina de teatro "Despertando o Sentir". A parceria entre Marcos Eurélio e Diogo Torino resultou em 231 fotografias, cerca de seis horas de vídeo não editado, 20 minutos de depoimentos, duas músicas produzidas e gravadas e um audiovisual com duração de quinze minutos. Foram cerca de 20 encontros com as detentas ao longo do ano, com registros semanais das aulas de teatro, dança e música.
A quadra da unidade prisional se transformou em palco e o almoxarifado em um pequeno estúdio de gravação. Ali, naqueles ambientes, as presas descobriram uma nova forma de manifestação cultural, seja por meio da música ou da expressão corporal. "Sem violência, sempre na humildade, estamos conquistando a nossa liberdade", cantou um grupo de detentas, durante a gravação de uma das músicas que compõe o projeto.
Para a diretora de atendimento da unidade, Adriana Cardoso de Oliveira, o projeto foi importante para promover a equidade entre as internas, já que todas puderam participar, inclusive as dependentes químicas e as pacientes psiquiátricas. “Percebemos melhoras significativas em algumas pacientes psiquiátricas. Inserir também as dependentes químicas e perceber o quanto o comportamento delas melhorou é uma conquista muito grande,” conta Adriana.
O responsável pelo projeto define o Laboratório Multimídia Móvel como uma possibilidade de propiciar a produção de arte digital por comunidades ou grupos de pessoas com pouco ou nenhum acesso a tecnologia. “O laboratório cabe dentro de uma mochila. Eu carrego os meus equipamentos e com eles posso estimular a criatividade das pessoas envolvidas no projeto, levando até elas tecnologia que muitas nunca tiveram contato”, observou Diogo Torino.
Foi isso que aconteceu com a detenta Aline Alves Jorge, a MC Lobinha. “Sempre fui uma presa muito difícil. Eu não tinha boa conduta. O teatro e a música me transformaram”, relata Aline. A jovem, de 23 anos, está presa há dois anos e cinco meses por tráfico de drogas. O projeto, segundo ela, permitiu vivenciar uma nova realidade. MC Lobinha, nome artístico criado pelas próprias colegas da unidade prisional, já era compositora antes de ser presa, mas cantar as próprias letras só foi possível depois da participação no Laboratório Multimídia Móvel.
Nova realidade
As letras das sete músicas compostas por MC Lobinha retratam o cotidiano atrás das grades, as dificuldades enfrentadas pelas detentas e a vontade de trilhar um novo caminho, longe do mundo da criminalidade. Aline ainda está no início da sua carreira como compositora e cantora, mas o incentivo veio de dentro da unidade prisional.
“Eu tinha muita vergonha de cantar. Escrevi as minhas primeiras letras, mas eu só cantava para a minha família. Foi no teatro, com o incentivo do professor Marcos, que eu me soltei e comecei a cantar na frente de pessoas desconhecidas”, diz Aline.
Depois de participar das oficinas de teatro e expressão corporal, Aline está convicta de que o mundo pode ser muito diferente quando há objetivos traçados. Ela, que tem uma filha de quatro anos, percebeu que a mudança de comportamento foi fundamental para o seu desenvolvimento como intérprete e como pessoa que deseja se ressocializar. “O projeto mudou a minha vida completamente. Desejo ser uma nova pessoa. Não quero mais voltar pra cá e agora vou correr atrás dos meus sonhos”, promete a jovem MC.
Música gravada durante o projeto:
Paz, justiça e lazer
(MC Lobinha / MC 4:20)
A vida do crime não dá pra sonhar
Não dá pra viver como eu e você
Mais um vacilão jogado no chão
Com tiro de 12 ou de "treis oitão"
Agora eu vou dizer, preste muita atenção
Drogas, armas sem futuro, não é a solução
Não entra nessa não, não vacila doidão
Se não cê vai levar vários tiros de canhão
Agora eu vou contar um trecho da minha vida
São mais de 5 meses que eu não dou uma saída
Tô saindo dessa vida eu não quero nem saber
Agora eu to querendo é paz, justiça e lazer
Tô querendo um trabalho e também dignidade
Isso é o essencial pra quem vive na comunidade, comunidade...
Luta para mim é saber sobreviver
Sou aquela que tenta a razão para viver
Sou aquela que um dia lutou pelo objetivo
Seus sonhos, suas lutas foram destruídos
Tenho um coração cheio de paixão
Uso a razão pra tomar uma decisão
Decisão que um dia deixei de tomar
De medida em medida consegui reconquistar
Agora eu vou contar um trecho da minha vida
São quase 2 anos que eu não dou uma saída
Tô saindo dessa vida eu não quero nem saber
Agora eu to querendo é paz, justiça e lazer
Tô querendo um trabalho e também dignidade
Isso é o essencial pra quem vive na comunidade, comunidade...
Sem violência, sempre na humildade
Estamos conquistando a nossa liberdade, liberdade, liberdade...
Para visualizar o filme do projeto, acesse: https://www.youtube.com/watch?v=MYzEKLk-MQY
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